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A questão do feriado local e o STJ. Mera formalidade ou cumprimento da lei?

Prevê o Art. 1.003, §6º do Código de Processo Civil que:

“Art. 1.003.  O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão. (…)

§6oO recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.”

Referida normativa, que, a rigor, deixa expresso o momento em que deve ser comprovada a ocorrência de feriado local, a fim de demonstrar a tempestividade de recurso interposto, tem gerado grande celeuma no meio jurídico, o que se dá por algumas razões, abaixo descritas.

Em primeiro lugar, é de ser assentar que a jurisprudência majoritária tem entendido pela aplicação, exata, dos termos da lei.

Isto leva, quando de sua inobservância, ou seja, não comprovação da ocorrência do feriado local no momento de interposição do recurso, à sua intempestividade e, consequentemente, caso se trate de um recurso relacionado a sentença, à coisa julgada, formal ou material, a depender do caso concreto, ou então, caso se trate de uma decisão interlocutória agravável (com exceção da interlocutória de mérito), fica ela tal e qual foi proferida a decisão recorrida, não havendo mais possibilidade de discussão naqueles autos sobre o assunto.

Neste sentido, a seguinte decisão:

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE RECURSAL. COMPROVAÇÃO DE FERIADO LOCAL (SEGUNDA-FEIRA DE CARNAVAL E QUARTA-FEIRA DE CINZAS) APÓS A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE, NOS TERMOS DO ART. 1.003, § 6º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 932 DO NCPC. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, a ocorrência de feriado local deverá ser comprovada, mediante documento idôneo, no ato da interposição do recurso. Assim, inaplicável à hipótese o entendimento firmado por esta Corte, ainda sob a ótica do regramento processual previsto no Código de Processo Civil de 1973, no sentido de admitir a comprovação, em agravo interno, da ocorrência de feriado local ou suspensão do expediente forense no Tribunal de origem, como pretende o agravante. 2. De fato, “a intempestividade é tida pelo Código atual como vício grave e, portanto, insanável. Daí porque não se aplica à espécie o disposto no parágrafo único do art. 932 do CPC/15, reservado às hipóteses de vícios sanáveis” (AgInt no AREsp 957.821/MS, Rel. Ministro Raul Araújo, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 20/11/2017, DJe 19/12/2017). 3. Na contagem dos prazos dos recursos endereçados ao Superior Tribunal de Justiça cuja interposição deva ser realizada nos Tribunais estaduais, excluem-se os dias referentes à segunda-feira de carnaval e à quarta-feira de cinzas, que não são feriados nacionais, desde que o recorrente comprove, no ato de interposição, que em tais datas não houve expediente forense no Poder Judiciário estadual. 4. Agravo interno improvido. (AG INT em RECURSO ESPECIAL N. 1255609 – AL).”

Trata-se, portanto, de uma norma com potencial de gerar grandes prejuízos aos jurisdicionados.

Ainda mais grave se torna o assunto quando, por criação jurisprudencial, se definem os requisitos, formais, para comprovação do feriado local, não bastando, portanto, apenas fazê-lo no momento da interposição do recurso, mas devendo-se, também, o fazer da forma exata prevista autoritariamente.

Exige-se, em resumo, a apresentação de documento idôneo, como cópia da lei instituidora do feriado, ato normativo, provimento expedido pelo Tribunal Local, publicado no Diário Oficial[1], não obstante, na norma em si, não houvesse nenhuma disposição a este sentido.

Poderia, até mesmo por bom senso, ser permitida a apresentação da página eletrônica do tribunal de origem na internet, contendo o calendário ou lista dos feriados locais, mas esta não é aceita pelo STJ[2], também sem maiores justificativas.

Tal formalismo, em grau tão elevado, nos parece inconsistente com as previsões gerais do Novo Código de Processo Civil, que prestigia a resolução de mérito do processo e a correção de vícios formais, quando possível, o que, até mesmo, constou da exposição de motivos da lei processual, nos seguintes termos:

“Com objetivo semelhante, permite-se no novo CPC que os Tribunais Superiores apreciem o mérito de alguns recursos que veiculam questões relevantes, cuja solução é necessária para o aprimoramento do Direito, ainda que não estejam preenchidos requisitos de admissibilidade considerados menos importantes. Trata-se de regra afeiçoada à processualística contemporânea, que privilegia o conteúdo em detrimento da forma, em consonância com o princípio da instrumentalidade.”[3]

É essa a dicção, inclusive, de seu Art. 932, in verbis:

“Art. 932.  Incumbe ao relator:

(…)

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.”

Poder-se-ia elencar, também, o teor dos Arts. 4º, 139 inciso IX, 317 e 1.029, §3º, todos do códex processual, o que não se faz apenas para não elastecer-se em demasia o presente, a fim de elucidar que toda a sistemática processual do Código de Processo Civil de 2015 foi criada no sentido de que os magistrados em sentido lato devem oportunizar a correção de vícios sanáveis.

As decisões e o posicionamento majoritário da jurisprudência, portanto, estão em descompasso com a sistemática processual vigente, uma vez que manter-se a interpretação legal que está sendo realizada, de forma simplista e meramente textual, significa ignorar o sistema em benefício da expansão de jurisprudência defensiva.

É o mais do mesmo demonstrando que até novidades podem ser transformadas em retrocesso.

 

Autor: Christopher Lima Vicente

 

[1] STJ, AgInt no AREsp 1004476/RJ, 2ª Turma, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 28/03/2017, DJe 03/04/2017

[2] (AgInt no REsp 1666794/AC, 3ª Turma, rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 21/09/2017, DJe 10/10/2017)

[3] Anteprojeto de reforma do Código de Processo Civil. acessado em 26/11/2018

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